Nanã – Orixá da Lama Primordial, dos Ciclos da Vida e da Sabedoria Ancestral

Ilustração representando Nanã, Orixá ancestral ligada à lama primordial, sabedoria, ancestralidade e ciclos da vida.

Ao iniciar este novo post da série Orixás, saúdo Nanã como a Grande Mãe ancestral, aquela que rege os ciclos do nascimento, da morte e do renascimento. Senhora da lama primordial, Nanã representa o princípio e o fim, o útero e o túmulo, a quietude e a eternidade. Seu poder não se revela no estrondo, mas no silêncio profundo das águas paradas e da terra molhada que molda a vida.

Nanã é o tempo que tudo sabe, a sabedoria que atravessa gerações. É aquela que acolhe os espíritos em trânsito, que transforma dor em maturidade, que ensina a respeitar o ritmo das coisas. Antiga como o mundo, serena como o tempo, firme como a rocha submersa, ela nos lembra que tudo nasce do barro – e tudo a ele retorna.

Neste post, vamos mergulhar nos mistérios dessa Orixá tão sagrada, compreendendo sua mitologia, símbolos, arquétipo astrológico e sua atuação profunda na alma e no destino.

Origem e Mitologia

Nanã é a mais velha entre os Orixás, senhora do tempo profundo, das origens da criação e do destino final das almas. Seu nome é sinônimo de ancestralidade e sua presença carrega a memória do princípio de tudo. Antes da separação entre os mundos, quando céu e terra ainda se comunicavam livremente, foi Nanã quem recebeu de Olodumare a incumbência de criar os corpos humanos.

Foi ela quem moldou o ser humano a partir do barro, misturando a terra com a água dos pântanos e brejos sagrados. Desse barro nasceu a carne — e por isso, à terra um dia todos voltam. Nanã é guardiã desse ciclo inevitável. Ela é quem entrega os corpos de volta ao útero da Mãe Terra, zelando pelas passagens com compaixão silenciosa.

É a senhora da vida e da morte, mas sua energia não é de imposição, e sim de sabedoria. Com sua lentidão firme, ensina que o tempo não pode ser apressado, que as transformações mais profundas se operam no silêncio, na escuta, na aceitação. Seu mistério é o da transmutação, daquilo que se desfaz para se renovar.

Nos mitos, Nanã é retratada como uma figura de autoridade e respeito absoluto, e não admite desordem nem leviandade. Em uma narrativa conhecida, conta-se que ela foi convidada para um banquete dos Orixás no Orum, mas ao perceber o orgulho e a confusão instaurada, recusou-se a permanecer. Bateu seu ibiri no chão — um bastão cerimonial de palha e búzios — e por onde passou brotou lama, símbolo de sua essência e poder. Esse gesto sagrado marcou seu domínio sobre as forças que antecedem e sucedem a vida.

Nanã é mãe de importantes Orixás, como Obaluayê/Omulu, o senhor das doenças e da cura, a quem protegeu desde a infância, cobrindo-o com palhas para esconder suas feridas. Também é mãe de Oxumarê, o arco-íris que liga o céu à terra, e de Ewá, guardiã do invisível e dos mistérios espirituais. Esses filhos revelam sua conexão profunda com os ciclos de transformação, a ancestralidade e os saberes ocultos.

Nanã é cultuada nas águas paradas: brejos, lagos, mangues e fontes antigas. São locais onde o tempo parece suspenso, onde o mundo dos vivos e dos ancestrais se encontram. Neles, a energia de Nanã repousa, profunda como a lembrança de tudo o que já foi. Seu templo é o silêncio que cura e guarda, o útero escuro de onde viemos e para onde, um dia, retornamos.

Ilustração representando Nanã, Orixá ancestral ligada à lama primordial, sabedoria, ancestralidade e ciclos da vida.

Arquétipo e Significados Espirituais

Nanã é a Grande Mãe do tempo profundo, aquela que carrega em si a memória da criação e o poder da transmutação. É senhora dos ciclos que regem a existência: o vir a ser, o florescer, o murchar e o retornar à fonte. Seu arquétipo representa o feminino ancestral, o saber que vem da vivência, da dor compreendida e da entrega ao mistério da vida.

Nanã simboliza a sabedoria que não se aprende com palavras, mas com o tempo. Está associada aos processos lentos, à cura que se dá na aceitação, à profundidade dos silêncios que atravessam gerações. Nos ensina que existe beleza na velhice, força na introspecção e verdade nos processos de encerramento. Ela nos guia quando não há mais o que fazer — apenas confiar.

É também a guardiã dos portais entre mundos. Acompanha os que nascem e os que partem. Acolhe os que sofrem, os que estão em transição, os que precisam de amparo invisível. Sua presença é discreta, mas jamais ausente. Quando tudo parece estagnado ou perdido, é ela quem está ali, plantando a semente da transformação.

Espiritualmente, Nanã atua onde só o tempo pode curar. Onde não há pressa, nem soluções fáceis. Onde o retorno à essência se dá pela humildade e pela escuta do que foi calado por muito tempo. Seu arquétipo convida ao respeito pela ancestralidade, pelo corpo envelhecido, pela alma que já viu muito e carrega tudo em silêncio.

Nanã nos ensina a morrer com dignidade — e a renascer mais inteiros. Ela nos dá o barro primordial da vida, mas também nos mostra que o retorno a esse barro é sagrado. Reverenciar Nanã é honrar as avós, os ancestrais, os que vieram antes, os que sustentam a base invisível de tudo que é.


Arquétipo e Significados Espirituais

Nanã é o ventre primordial que antecede todas as coisas. Senhora da lama sagrada, é ela quem reúne os elementos da água e da terra para formar o barro da vida. Representa o início e o fim, a origem e o retorno, o mistério profundo que envolve os ciclos da existência.

Seu arquétipo é o da Grande Anciã — aquela que carrega o tempo dentro do corpo e a sabedoria na alma. Diferente da força que age, ela é a força que sustenta. É a guardiã da memória espiritual, dos saberes silenciosos que não precisam ser ditos para serem compreendidos.

Nanã rege o tempo da maturação, o tempo em que a alma precisa se recolher para integrar as experiências vividas. É a senhora das passagens — dos nascimentos e mortes simbólicas e literais. Nos conduz nos momentos em que é preciso se render, soltar o controle, aceitar a finitude como parte da totalidade da vida.

Sua presença é acolhedora e ancestral. Ela cura pelo tempo, não pela urgência. Convida à contemplação, ao respeito pelo que envelhece, pelaquilo que retorna ao pó. Ensina que tudo tem seu ciclo: há um tempo de plantar, um tempo de colher, e um tempo de deixar ir.

No campo espiritual, Nanã representa a sabedoria que se adquire com a experiência e o acolhimento que vem do reconhecimento da fragilidade humana. Seu arquétipo nos lembra que o verdadeiro poder não está na imposição, mas na escuta, no cuidado, na profundidade de quem já atravessou muitas águas — e permaneceu.


Correspondências e Símbolos

Os elementos que compõem o universo simbólico de Nanã são profundos e densos como sua própria essência. Senhora da lama, une a água da emoção com a terra da estrutura, sendo associada aos lagos, pântanos e águas paradas — locais sagrados onde vida e morte se encontram. Suas cores são o roxo, o lilás, o branco e os tons terrosos, evocando a espiritualidade, a transmutação e a ancestralidade. 

Seu principal símbolo é o ibiri, um cetro feito de palha e búzios, usado para conduzir rituais de limpeza espiritual e conexão com os mortos.

Na liturgia das religiões afro-brasileiras, a segunda-feira é dedicada a Nanã. É um dia propício para práticas de introspecção, limpeza espiritual, conexão com os antepassados e honra ao sagrado feminino ancestral. Nesse dia, reverenciamos sua sabedoria com silêncio, oração e oferendas que pedem paciência e profundidade.

Entre seus alimentos sagrados estão comidas que exigem tempo e cuidado: caruru, arroz com feijão-preto, acaçá roxo, sempre servidos com reverência, em vasilhas de barro, remetendo à origem da vida. A saudação a Nanã é "Saluba Nanã!", expressão de respeito profundo àquela que carrega o mistério dos ciclos e a autoridade do tempo.

Na astrologia, o simbolismo de Nanã tem correspondência com a Lua, planeta que rege a ancestralidade, os ritmos da vida, os processos emocionais profundos e o feminino primordial. A Lua é a Grande Mãe, guardiã das memórias e das águas internas. No entanto, podemos também encontrar ecos de Nanã nas vibrações de Plutão — planeta que rege a morte, a regeneração e as passagens transformadoras. A combinação entre Lua e Plutão num mapa pode indicar uma alma tocada por memórias profundas, desafios emocionais cármicos e uma sabedoria que nasce do enfrentamento das sombras e da aceitação dos ciclos.

Sincretismo e Presença nas Religiões Afro-Brasileiras

Nanã Buruquê é uma das figuras mais antigas do panteão iorubano, com raízes que remontam à espiritualidade da África Central e Ocidental, especialmente entre os povos Jeje e Ketu. No Brasil, sua presença se manifesta com grande força no Candomblé e na Umbanda, sendo reverenciada como uma orixá de extrema sabedoria, mistério e autoridade espiritual. Por representar o princípio da vida e da morte, seu culto é cercado de reverência, silêncio e profundidade, sendo muitas vezes reservado aos iniciados mais velhos.

No sincretismo religioso brasileiro, Nanã é associada a Sant’Ana, mãe de Maria e avó de Jesus, figura que representa a ancestralidade feminina e a linhagem sagrada. Essa associação reflete o papel de Nanã como guardiã das origens e condutora dos ciclos da existência. Seu culto está ligado aos rituais de passagem, à ancestralidade e aos processos de purificação espiritual, sendo comum em cerimônias voltadas à limpeza de energias densas e à condução das almas desencarnadas.

Nanã também é invocada nos processos de cura emocional profunda, especialmente para questões ligadas a traumas antigos, feridas transgeracionais e bloqueios herdados da ancestralidade. Seu axé favorece a finalização de ciclos, o luto saudável, a aceitação do tempo e da impermanência. Ao trabalhar com sua energia, abrimos espaço para a reconciliação com o passado, o acolhimento da dor e a regeneração espiritual. 

Embora nem sempre tão popular quanto outros Orixás, Nanã ocupa um lugar de grande respeito nos terreiros, sendo considerada a mais velha de todos. Com ela, aprendemos que tudo retorna ao barro de onde veio, e que há beleza e sabedoria no fim de cada jornada.

Características dos Filhos de Nanã

Filhos e filhas de Nanã costumam carregar uma aura de mistério e profundidade. São pessoas que demonstram sabedoria desde cedo, mesmo quando jovens, e transmitem um senso de ancestralidade, como se carregassem em si a memória de muitas gerações. Observadoras, introspectivas e sensíveis às emoções dos outros, muitas vezes atuam como guardiãs silenciosas de quem amam, acolhendo dores e transformando mágoas com paciência.

São indivíduos que não temem a solidão e, muitas vezes, precisam de períodos de recolhimento para processar emoções e restaurar suas forças. Têm uma ligação natural com a ancestralidade, a espiritualidade e os mistérios da vida e da morte. Costumam ter uma presença respeitável, mesmo quando não dizem muito — seu olhar e sua postura dizem por si.

Por outro lado, podem carregar uma certa melancolia, ligada às dores do passado ou ao peso das responsabilidades familiares. São profundamente leais, e quando se sentem traídos, tendem ao afastamento e ao silêncio, ao invés da confrontação direta. 

A maturidade emocional é uma de suas grandes marcas, assim como a capacidade de guiar outras pessoas em momentos de transição, luto ou cura. Com Nanã como guia espiritual, esses filhos se tornam verdadeiros canais de sabedoria ancestral e acolhimento transformador.

Oração a Nanã

Saluba, Nanã!
Grande Mãe das Águas Paradas, Senhora do Barro Primordial,
tu que moldaste os corpos e guardas os segredos do começo e do fim.

Ensina-me a respeitar o tempo, a acolher a dor e a curar o passado.
Mostra-me os caminhos da paciência e da sabedoria que vem de longe,
dos que vieram antes, dos que caminharam para que eu estivesse aqui.

Lava minha alma com tuas águas profundas,
retira de mim as mágoas antigas, as culpas herdadas, os pesos da linhagem.
Que eu possa aceitar os ciclos da vida com serenidade
e transformar minha história com a tua luz silenciosa.

Que tua bênção me conduza com firmeza, amor e profundidade.
Em teu colo ancestral, encontro abrigo, cura e renascimento.
Saluba, Senhora dos Mistérios!


Conclusão

Nanã não fala alto, não se impõe, não se apressa. Sua força é silenciosa, ancestral, e vem do fundo da terra e das águas paradas onde se refletem os segredos do tempo. Ela nos ensina que tudo tem seu ciclo: nascimento, crescimento, apogeu, declínio e retorno à origem. Com ela, aprendemos a honrar o passado, respeitar os mais velhos, acolher a dor com dignidade e atravessar os períodos de encerramento com fé e sabedoria.

Ao invocar Nanã, nos conectamos à linhagem ancestral que pulsa em nosso sangue e ao barro sagrado que molda nossos corpos e caminhos. Ela é o ventre primordial de onde tudo surgiu e para onde tudo retorna. Que sua presença nos lembre da importância de caminhar com paciência, de ouvir com o coração e de confiar nos processos invisíveis da vida.

Saluba, Nanã Buruquê!

Este post faz parte da série especial sobre os Orixás. Veja aqui Ogum, Oxum, Xangô, Iansã, OxóssiIemanjá e Obaluayê/Omulu. Em breve traremos outros textos dedicados a  Oxalá, Oxumarê, Logunedé e muito mais, sempre com respeito, profundidade e conexão espiritual.

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(As ilustrações estão com créditos, exceto as que não encontrei o autor ou foram criadas com I.A.)

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