Ogum é mais do que um guerreiro mitológico. É força ancestral que vive em nós, energia que rompe bloqueios, que abre caminhos e nos chama à ação com propósito. É o movimento que desponta quando sentimos que já não dá mais para permanecer parados. Quando a vida exige coragem, clareza e atitude, é Ogum quem se manifesta — dentro e fora.
Na jornada espiritual, não há avanço sem enfrentamento. Não há conquista sem disciplina. Não há vitória sem verdade. Ogum nos ensina que lutar não é destruir, mas sim preservar o que é justo e cortar, com sua espada simbólica, os excessos, medos, ilusões e amarras que nos afastam do caminho da alma. Ele não atua pela força bruta, mas pela consciência guerreira — aquela que sabe o momento certo de agir, recuar, silenciar ou avançar.
Começamos esta série de posts sobre os Orixás com Ogum porque é ele quem vai à frente. É ele quem abre o caminho para todos os outros. Sem sua lâmina, a mata da ignorância não se desbrava. Sem sua presença, não há passagem entre o velho e o novo.
Origem e Mitologia
Na tradição iorubá, Ogum é um dos Orixás mais antigos e respeitados. É filho de Oduduwa, o ancestral primordial, e irmão de Exu, com quem compartilha o domínio sobre os caminhos. Ogum é aquele que, ao chegar à Terra, encontrou a mata fechada — e foi o primeiro a forjar ferramentas de ferro para abrir passagem. Por isso, seu nome é associado à tecnologia, ao trabalho, à ação transformadora. Ele desbrava, constrói, avança. Sem Ogum, nada se move.
Uma das lendas mais conhecidas relata que os Orixás estavam prontos para descer ao mundo, mas encontraram tudo coberto por uma vegetação densa e impenetrável. Somente Ogum, com sua espada de ferro, foi capaz de cortar o mato e abrir o caminho. Sua coragem permitiu que os outros Orixás chegassem à Terra e cumprissem seus destinos. Desde então, ele passou a ser cultuado como o abridor de caminhos, aquele que remove obstáculos e protege quem segue com honestidade e força de vontade.
Outra narrativa poderosa conta que, após muitos anos combatendo injustiças, Ogum sentiu-se traído e incompreendido pelos homens. Revoltado, partiu para a floresta, onde viveu em silêncio até desaparecer no Orun — o plano espiritual. Ainda assim, não abandonou seus filhos: passou a ser evocado nos momentos em que a luta parecia perdida, nos momentos em que a fé precisava se traduzir em atitude.
Ogum é também o patrono das estradas, das ferramentas de trabalho, das guerras justas e dos ofícios ligados ao metal. Sua ligação com o ferro não é apenas literal, mas simbólica: representa a firmeza da palavra, o corte necessário, a transformação da matéria bruta em algo útil e nobre.
Arquétipo e Significados Espirituais
Ogum representa o arquétipo do guerreiro espiritual — não o que luta por vaidade ou poder, mas aquele que combate em nome da verdade, da justiça e do propósito. Ele simboliza a força de vontade que nasce quando decidimos cortar as ilusões, romper com padrões que nos aprisionam e seguir adiante com clareza, mesmo que o caminho seja difícil.
No plano psíquico, Ogum ativa a consciência da ação reta, da disciplina e da integridade. Sua energia nos confronta com uma pergunta fundamental: “Você está pronto para fazer o que precisa ser feito?” Ogum não tolera vitimizações ou desculpas — sua força nos empurra para fora da estagnação e nos faz encarar a realidade com coragem.
Quando vivemos em desequilíbrio, podemos entrar no lado sombra desse arquétipo: rigidez excessiva, impulsividade, intolerância, agressividade. Mas, quando equilibrado, Ogum nos guia com firmeza, ajudando a desenvolver qualidades como foco, constância, honestidade, autoconfiança e coragem amorosa — aquela que protege, que constrói, que enfrenta sem ferir.
Ogum também é estrategista. Sua força não é impulsiva, mas calculada. Antes de agir, ele observa o terreno, planeja a melhor rota, estuda o adversário. Sua coragem é aliada da razão. Ogum ensina que vencer exige visão, preparo, inteligência emocional e firmeza. Ele mostra que a verdadeira força está no equilíbrio entre ação e discernimento.
Ogum também rege os processos de transformação material, pois é o senhor da forja. Ele nos lembra que tudo o que é bruto — inclusive nossos impulsos e dores — pode ser lapidado em virtude, consciência e potência criadora. Ele é a força que levanta a espada, mas também quem constrói pontes, ferramentas, estruturas sólidas para a vida florescer.
No mundo contemporâneo, Ogum se manifesta em todos aqueles que usam a tecnologia, a engenharia, a medicina, o conhecimento ou o trabalho diário para transformar o mundo com ética e responsabilidade. Em qualquer profissão ou missão de vida que envolva esforço, decisão e construção, sua energia está presente.
Correspondências e Símbolos
Ogum é senhor do ferro, do fogo, das estradas e das ferramentas. Tudo o que corta, abre, constrói ou defende está sob seu domínio. Sua cor mais conhecida é o vermelho, que representa energia, coragem, sangue e vida em movimento. Em algumas tradições, também é cultuado com o azul-escuro ou até verde-escuro, dependendo da qualidade específica de Ogum invocada.
Seus elementos são a terra e o fogo — a terra dos caminhos que ele pisa e o fogo do trabalho que transforma. Suas ferramentas simbólicas são a espada, o facão, o martelo, a bigorna e qualquer instrumento de ferro. Ogum é encontrado nas encruzilhadas, nas trilhas, nas oficinas, nas oficinas mecânicas e nos canteiros de obra — sempre onde há ação, transformação e construção.
Entre as ervas consagradas a Ogum estão a espada-de-são-jorge, a jurubeba, o boldo e o alecrim. Seus alimentos ritualísticos incluem o feijão-preto, a carne vermelha, o inhame e a cerveja clara. O dia da semana mais associado a ele é a terça-feira, e sua saudação mais conhecida na Umbanda é “Ogunhê!” — um brado de força e respeito.
No sincretismo religioso, Ogum é frequentemente associado a São Jorge, o guerreiro cristão que enfrenta o dragão com lança e escudo. Essa associação não é à toa: ambos representam a coragem diante do mal, a proteção contra as trevas e a capacidade de vencer desafios com fé, honra e ação justa.
Como astrólogo, não posso deixar de observar a ligação profunda entre Ogum e Marte, planeta da ação, do impulso, da coragem e da luta. Marte rege a energia do guerreiro interior, e sua presença no mapa astral indica como lidamos com conflito, desejo, iniciativa e assertividade. Assim como Ogum, Marte pode expressar força construtiva ou destrutiva, dependendo de como está integrado à consciência. Quando ambos se alinham no simbolismo espiritual e astrológico, apontam para uma capacidade de ação consciente, com estratégia, ética e foco no propósito.
Sincretismo e presença nas religiões afro-brasileiras
Ogum é amplamente cultuado tanto no Candomblé quanto na Umbanda, com variações nos rituais, nas qualidades e nos mitos, mas sempre reconhecido como o grande abridor de caminhos, aquele que protege os justos, desmancha demandas e corta os males com sua espada de luz.
Na Umbanda, Ogum é uma das linhas de frente. Atua como defensor espiritual, firme, justo e incansável. Está presente nas giras de proteção, nas sessões de descarrego e nos momentos em que é necessário enfrentar energias densas com força e fé. Seus falangeiros trabalham nas encruzilhadas, nas matas e nas estradas, e são conhecidos por sua lealdade, coragem e disciplina. Muitas vezes, são incorporados por médiuns que trazem uma postura reta, palavras objetivas e vibração firme — como um soldado espiritual a serviço da luz.
Em algumas casas, a linha de Ogum é desdobrada em diferentes falanges, como Ogum Megê (ligado à esquerda e à justiça), Ogum Beira-Mar (associado ao mar e às batalhas emocionais), Ogum Rompe-Mato (relacionado à desobstrução dos caminhos na mata), entre outros. Cada uma dessas manifestações representa um aspecto da atuação desse Orixá, com especificidades vibratórias e simbólicas.
No sincretismo com o catolicismo — estabelecido historicamente para proteger os cultos africanos durante a perseguição colonial — Ogum foi associado a São Jorge, o santo guerreiro. Essa fusão deu origem a uma devoção popular intensa, especialmente no Brasil, onde o dia 23 de abril é celebrado com fé por pessoas de diferentes crenças. Muitos brasileiros carregam a imagem de São Jorge no peito e, sem saber, reverenciam também Ogum, honrando esse arquétipo de coragem espiritual.
Ogum também se manifesta na vida prática: está presente nos que lutam por justiça social, nos que defendem os vulneráveis, nos que constroem com ética e propósito. É o Orixá da estrada, mas também do martelo; da espada, mas também da palavra firme; do combate, mas também da disciplina. Em tempos de conflito, sua força pode ser invocada para reafirmar limites, proteger a integridade e lembrar que, mesmo em batalha, é possível manter a retidão.
Ogum e os desafios contemporâneos
Vivemos em um mundo saturado de estímulos, hiperconectado, onde a velocidade tomou o lugar da presença. Diante de tantas distrações, cobranças e crises coletivas, manter o foco, a retidão e a coragem de seguir o próprio caminho tornou-se um desafio espiritual. É nesse contexto que a força de Ogum se revela mais necessária do que nunca.
Ogum nos ensina a agir com consciência, e não por impulso. Mostra que a verdadeira vitória não está no confronto vazio, mas na construção de algo duradouro — e isso exige persistência, ética e direção. Em uma época em que muitos querem resultados imediatos, ele lembra que é preciso preparar o terreno, escolher a hora certa para plantar e, só então, colher.
A ansiedade, a pressa, o medo do fracasso e a comparação constante nos afastam de nossa essência. Ogum ensina a caminhar com firmeza, mesmo quando os ventos sopram contrários. Ele orienta a dizer “sim” ao que fortalece, e “não” ao que desvia. Em tempos de confusão moral, seu machado corta os excessos. Em tempos de dúvida, sua espada aponta o norte.
Ele também nos ajuda a cultivar a força interior silenciosa, aquela que não precisa provar nada a ninguém, que age sem alarde, mas com impacto profundo. É a força dos que se levantam todos os dias para lutar batalhas invisíveis. Dos que constroem uma vida digna apesar das dores, das perdas e dos desafios que não aparecem nas redes sociais.
Na prática, Ogum nos convida a cultivar hábitos simples e transformadores: levantar com propósito, cuidar da própria energia, proteger a palavra, agir com verdade, resistir ao desânimo e manter a direção. Ele não promete facilidade, mas garante força para seguir.
Em um mundo cada vez mais caótico, Ogum é aquele que organiza, protege, direciona. Sua presença nos lembra que lutar com consciência também é um ato de amor.
Características dos filhos de Ogum
Os filhos de Ogum costumam carregar no espírito uma força indomável. São pessoas movidas pela ação, pela iniciativa e pela vontade de superar obstáculos. Desde cedo, enfrentam desafios que moldam seu caráter — e não raro, precisam aprender a canalizar sua força com equilíbrio, para não se tornarem duros demais consigo mesmos ou com os outros.
Em geral, são firmes, diretos, objetivos. Falam o que pensam, prezam pela verdade e não toleram injustiças. Quando estão em equilíbrio, são excelentes líderes, protetores, realizadores. Enxergam longe, planejam com inteligência e não se intimidam diante de tarefas difíceis. São movidos pelo sentido de missão: precisam sentir que estão cumprindo um papel importante no mundo.
No entanto, por serem regidos por um arquétipo de combate, também podem apresentar impaciência, rigidez ou dificuldade de lidar com fragilidades — tanto as suas quanto as alheias. Por isso, um dos maiores aprendizados dos filhos de Ogum é integrar força e sensibilidade, ação e escuta, firmeza e acolhimento.
Costumam ter energia de sobra, e quando essa energia não encontra canal criativo ou construtivo, pode se voltar contra eles mesmos, gerando irritação, ansiedade ou crises internas. Por isso, os filhos de Ogum se beneficiam imensamente de práticas que envolvem movimento, foco, propósito e espiritualidade com disciplina — seja no trabalho, nas artes, nos estudos ou em causas sociais.
Quando conscientes de sua luz, são incansáveis defensores do bem, da justiça e da liberdade. E tornam-se faróis de coragem para quem os cerca.
Oração a Ogum
Ogum, Senhor dos Caminhos,
força que rompe as matas e desfaz as amarras,
abre meus caminhos com tua espada de luz.
Dá-me coragem para agir com retidão,
sabedoria para escolher a melhor rota,
e firmeza para seguir mesmo diante dos desafios.
Que eu nunca fuja da verdade,
que eu mantenha a palavra e a honra,
que eu defenda o justo e o sagrado.
Ogum, Pai da ação consciente,
ensina-me a lutar sem ferir,
a avançar sem atropelar,
a construir com disciplina e amor.
Seja meu escudo nas noites escuras,
seja meu guia nas encruzilhadas da vida.
E que, ao final da jornada,
eu possa dizer que venci com dignidade.
Ogunhê, meu Pai! Salve sua força!
Conclusão
Ogum é o princípio do movimento, o que transforma a estagnação em ação, a dúvida em decisão, o medo em coragem. Seu arquétipo nos inspira a levantar todos os dias com propósito, a cortar os excessos, a forjar um caminho sólido com as ferramentas que temos à mão — e a seguir, com fé, mesmo quando não sabemos o que nos espera adiante.
Neste início da série sobre os Orixás, honramos Ogum como aquele que vai à frente, que rompe o mato, que protege com lealdade e nos ensina que vencer não é apenas conquistar — é manter a dignidade durante a caminhada.
Que a energia de Ogum nos inspire a agir com consciência, firmeza e coração aberto.
Ogunhê!
Acompanhe os próximos posts da série “Orixás” aqui no blog — em breve traremos Oxóssi, Oxum, Xangô, Iansã e muitos outros, sempre com profundidade, respeito e devoção.
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Asilustrações estão com créditos, exceto as que foram criadas com I.A.
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