
Ana Cláudia Nogueira é uma neurocirurgiã que não acreditava em amor romântico. Alma gêmea? Baboseira, dizia ela. Culpava a indústria do cinema e as novelas por incutirem na cabeça das pessoas essa ideia de um amor ideal e mágico.
Seus poucos amigos a criticavam. Muito cética pra uma mulher bonita e com trinta e poucos anos. Um desperdício, viviam repetindo. Mas os namorados de cabeça oca que teve só serviram para reforçar a convicção: o amor não existe. Inconcebível, pra ela, era se tornar uma esposa dedicada a cuidar de um marido e da casa. Medíocre demais!
Em compensação, sua vida profissional ia de vento em popa. Dedicava toda sua inteligência e energia à carreira. Era respeitada no hospital Albert Einstein, onde já chefiava a equipe de neurocirurgia. O cérebro era, para ela, a coisa mais fascinante do mundo. Passava os dias operando aneurismas, tumores, traumas cranianos. Aquilo sim valia a pena — salvar vidas era sua verdadeira paixão. Existia realização maior?
Prática, decidida e orgulhosa de ser quem era. Já tinha até uma pós-graduação marcada para o ano seguinte, em Boston, com um dos maiores especialistas do mundo.
Com tamanha disciplina, se permitia relaxar de vez em quando. Adorava tomar uma taça de champanhe e dançar no seu clube preferido às sextas-feiras. Enquanto dançava, recapitulava mentalmente os momentos mais arriscados da semana no centro cirúrgico. Quando fechava os olhos ao som de uma boa house music, as luzes se misturavam com imagens de bisturis, sangue e massa encefálica. Até na pista, Ana Cláudia era solitária. Mas não se incomodava. Uma troca de beijos, um sexo casual com algum homem-objeto bastava para satisfazer sua praticidade emocional.
Até que, num dia qualquer, tudo mudou.
Depois de uma semana exaustiva, a pista estava em êxtase. O DJ era ovacionado, e Ana Cláudia, como de costume, dançava sozinha, absorta. Foi então que percebeu um homem a observá-la do outro lado do salão. O sorriso dele era doce, luminoso, sincero. Sorriu de volta. E ficaram ali, se olhando, como se o mundo tivesse deixado de existir.
Isso é tão clichê, pensava. Mas era impossível evitar. Os dois dançavam, agora juntos, sintonizados. Ele se aproximou e perguntou:
— Qual seu nome?
— Ana Cláudia. E o seu?
— Felipe. Muito prazer, Ana Cláudia.
Ao ouvir seu nome naquela voz grave, dita por aquela boca carnuda, ela não resistiu. Beijou-o ali mesmo. E que beijo! Molhado, intenso, delicioso. Passaram horas na pista, entre beijos e olhares. Ele a convidou para tomar um champanhe.
— Champanhe é minha bebida predileta! — ela disse.
E então, a ficha caiu: Não, isso é ridículo. Logo eu, que sempre critiquei comédias românticas, agora encantada por um desconhecido numa boate underground? Amor à primeira vista? Eu não acredito nisso!
Esperava que ele dissesse algo tolo e destruísse o encanto. Mas isso não aconteceu.
— Está sozinho? — ela perguntou.
— Agora sim. Meus amigos da faculdade já foram embora.
— Faculdade de quê? — (Pronto, é agora que ele diz marketing, ou alguma coisa desinteressante...)
— Medicina. Sou psiquiatra.
A partir daí, a conversa não teve fim — quando não estavam se beijando, claro. Uma neurocirurgiã e um psiquiatra se encontrando por acaso numa pista de dança de São Paulo. Coincidência demais.
Quando perceberam, já era madrugada. Descobriram que moravam no mesmo bairro, Perdizes. Ela estava louca de desejo, mas ele a surpreendeu:
— Um encontro tão perfeito não merece ser apressado. Jantamos amanhã?
Ana Cláudia passou o sábado inquieta. Pensando nele. Foi ao cabeleireiro, comprou um vestido novo, mas disfarçou a empolgação de todos. Sentia-se boba — e isso era novo. Bom, até.
No jantar, Felipe foi ainda mais encantador. Camisa azul, humor leve, conversas inteligentes. Ela o convidou para um último drink em seu apartamento. E o sexo... foi maravilhoso. Cheiro, toque, química — e aquela familiaridade estranha que só existe quando algo maior está acontecendo.
Resumindo: começaram a se ver quase todos os dias. Quanto mais Ana Cláudia duvidava, mais ele a surpreendia. Com inteligência, sensibilidade e presença.
Felipe provou que é possível haver cumplicidade num relacionamento amoroso. Ana Cláudia, que nunca acreditou em alma gêmea, apaixonou-se. Perdeu o foco no trabalho. E não — não posso dizer que viveram felizes para sempre.
Mas posso dizer que Ana Cláudia desmarcou sua pós-graduação em Boston. O que, no caso dela, já diz muita coisa.
Muito empolgante este conto, fui lendo, lendo doida de curiosa pelo final! Bacana, verdadeiro e atual. Nós mulheres...
ResponderExcluirBjs
hehehehe mas acho q os homens são um pouco assim tb, não? bjo querida
ResponderExcluirBonito conto Marcelo!
ResponderExcluirTolo daquele que não acredita no amor.
Com relação ao post lá em casa sobre dicas de leitura o escritor africano que vc falou é o Mia Couto né?
Bjs.
Parabéns pelo conto,Marcelo.Adorei o modo como você desenvolveu a história(num crescendo),e o final.Escreva mais contos.seus leitores agradecem.Abração.
ResponderExcluirAdorei o conto. Continue escrevendo. Parabéns
ResponderExcluirOba!!! escrevo sim queridão, pode deixar. Tem outros contos no blog, se vc se interessar, clique no marcador: contos! Abraço, fico feliz q gostou.
ResponderExcluirah eu não disse...rs
ResponderExcluiro amor quer ser meu querido...ele quer existir..., dá a volta, pula o muro , inventa um jeito e puft...rs , se tivessemos olhos celestiais poderíamos ver cupido curtindo uma dance music....rs
Demais...adorei o conto!
E toda a polivalência do autor...rs
beijo grande!
Oi, Marcelo. Td bem?
ResponderExcluirSempre visito seu blog, mas é a primeira vez que deixo uma mensagem.
Adorei a história, o desenrolar... tudo. Quem hoje não procura um amor romântico?
VocÊ fez a pergunta no post anterior e agora deu a resposta.
Nós mulheres, realmente complicadas...
Um abraço
Você só pode ser um romântico. Todos temos direito a um amor assim como o da protagonista do conto. Pensando na minha longa vida, com alguns amores, só consigo me lembrar hoje, com nitidez, de um amor assim e faz tempo... uns 35 anos atrás. :)))
ResponderExcluirBelo conto, muito bem escrito.
Oi Marcelo, adorei, como a Kyria disse, fui lendo, lendo...rs....conheço algo parecido na vida de uma pessoa...rs, uma pena que não tenha tido um final assim, feliz...mas como disse, ainda acredito no "Que seja eterno, enquanto dure...", o mais gostoso de uma relação é isso....se descobrir a cada dia.
ResponderExcluirBjo pra ti
Marcelo,
ResponderExcluirGostei muito deste conto!
Tenho um selo no meu blog para si. Quando puder e quiser pode passar e levar http://dialogosastrais.blogspot.com/
Marcelo
ResponderExcluirkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Rapaz bonitão de olhos verdes... sei....
Comigo está acontecendo o oposto acredita?
O conto é bacana sim sem dúvida, mas estou indo para o caminho oposto... Acho que vou para Boston.... hahahahahaha....
Mas não por achar o amor romântico, casamento e filhos uma vida medíocre, não muito pelo contrário, mas porque... sei lá...
Abraço!
Eu acredito no amor-romântico!
ResponderExcluirLindo o conto Marcelo, adorei!
Beijo grande!
Li
Muito bom o conto Marcelo...mas eu acho que ela devia fazer a pós graduação em Boston na mesma :) Se é amor, então o amor espera e não se apaga com a distância provisória :)
ResponderExcluirQuerido, adorei o conto!!!
ResponderExcluirHoje sou Romantica assumidissima! Há um tempo atrás estava descrente do amor... depois que vivi uma situação muito parecida com a do seu conto comecei a reacreditar.... me vi no seu conto...
Gratidão!
Bjoss
Eba, fico feliz que gostaram!!!!
ResponderExcluirA Siala conseguiu ser mais pragmática do que Cláudia. rsrsrs
Mas se ela fosse pra Boston mesmo assim, o final do meu conto perderia efeito!!:)))
bjosssssssss
A-D-O-R-E-I😍
ResponderExcluirPostar um comentário
Os comentários são o maior estímulo pra este trabalho. Obrigado!