Este conto faz parte do livro Outras Galáxias, uma coletânea que reúne histórias escritas ao longo de quase 30 anos. "Rosileidi Florisbela" é um retrato poético e profundo sobre identidade, pertencimento, perdão e reconciliação entre mãe e filha.
Publicado originalmente em 2010 (15 anos já!) aqui no blog, o texto segue atual e necessário — como um espelho delicado das dores silenciosas que tantas mulheres carregam.
Que a leitura toque seu coração como tocou o meu ao escrevê-lo.
Rosileidi Florisbela dos Santos rumava ao cartório, decidida a mudar de nome. De fato, só faltava assinar os papéis para consumar seu objetivo: daquele dia em diante, seria apenas Rosi dos Santos.
No carro, parada de semáforo em semáforo, repassava seus motivos, como se precisasse reafirmar internamente que estava fazendo a coisa certa.
A mãe sempre foi apaixonada por flores e sustentava a filha com sua floricultura. Mas para Rosileidi, aquilo tudo era demais. Era professora de literatura e astróloga, cultivava um gosto mais sóbrio. Já a mãe mal havia terminado o ginásio — era espalhafatosa, usava roupas com estampas florais gritantes, falava alto, ria demais.
Rosi — era assim que preferia ser chamada — sentia vergonha dos colegas quando iam à sua casa e notavam a cafonice dos móveis, dos bibelôs, das cortinas floridas, da mãe. Evitava sair com ela. Considerava-se seu oposto: discreta, séria, exigente. A mãe, uma mulher exagerada, colorida, sem noção. E como se não bastasse, desde pequena Rosi desenvolveu alergia a rosas. Bastava entrar na floricultura para o corpo se encher de urticária.
E os apelidos que ouviu na escola? Rosilady Di, Alergileidi, Rosiflores Leidibela, Rosibela Leidiflores... A lista era infinita. Bastava se lembrar das piadas para confirmar que mudar de nome era não apenas justo, mas necessário.
A astrologia lhe dava certo alívio: sua mãe era de Aquário com ascendente em Leão. Urano na casa 7 em quadratura com Mercúrio. Claro que ela queria ser original — mas lhe faltavam cultura, repertório. Queria brilhar, mas brilhava torto. O pai? Ausente. Um comerciante que saiu numa viagem e nunca mais voltou.
Já Rosi era de Virgem, com ascendente em Câncer. Saturno na casa 1 em quadratura com Quíron na casa 4. Era reservada, crítica, especialmente autocrítica. Exigia perfeição em tudo. E naquele dia, Urano formava oposição com Marte, trígono com Mercúrio e Saturno natal. Um dia de virada. Hora de mudar o nome, a identidade, a autoimagem. Hora de nascer de novo.
O celular tocou. Rosi encostou o carro — jamais deixava uma ligação sem resposta, vivia para o trabalho. Mas a notícia não era profissional. Era o hospital. Sua mãe sofrera um acidente grave. Precisava correr.
No hospital, Marealva parecia bem à primeira vista, mas o olhar carregava uma tristeza nunca antes vista. A médica foi direta: o fígado havia se partido em três. Restavam-lhe poucas horas. Ainda bem que podiam se despedir.
— Mãe... não! Por favor! Eu não sei o que dizer. Por que agora? Por que assim?
Parecia que Marealva só esperava a filha chegar. Enquanto Rosi balbuciava palavras e segurava sua mão, a mãe fechou os olhos e partiu.
Rosi chorou como nunca. E foi ali, diante do corpo sem vida da mãe, que entendeu tudo. Viu que sempre invejou sua leveza, sua alegria, sua coragem de ser. Rosi queria ser desprendida, forte, simples — como ela. Queria ter vivido com mais ternura. E, acima de tudo, amava sua mãe profundamente, apesar de tudo o que sempre quis negar.
— Mãe, minha mãe querida... sou eu quem te pede perdão. Por nunca enxergar que você tinha exatamente aquilo que eu sempre quis ter. Em vez de te admirar, eu sentia vergonha. Como fui tola...
Desceu até a floricultura do hospital. Comprou uma dúzia de rosas vermelhas. Última homenagem. Símbolo de amor, de perdão, de reconciliação. Qualquer alergia, a essa altura, já havia sido curada.
Como a mãe sempre lhe ensinou, decidiu que não se cobraria tanto. Decidiu aceitar seu nome, sua história, sua origem. Aceitou ser Rosileidi Florisbela dos Santos. Mas, a partir daquele dia, nunca mais foi a mesma.
Se a história tocou você, me conte nos comentários. Vou adorar saber.
Que lindo isso, Marcelo!!!
ResponderExcluirMe vi nesse texto...rsrsrs
Canceriana, com a Lua em Virgem....
Chorei, claro!!
Que linda historia, mas alguma coisa tem de real nela, pois muita gente se enquadra nela, não é o meu caso pois o meu nome é esquisito, mas sempre procurei gostar dele, pois já li em metafísica que somos nós mesmos que escolhemos os nosso nomes, nós é que damos intuição aos nossos pais, quem estuda numerologia sabe, que cada letra tem uma vibração, é com ela que temos que nos afinar e viver em sintonia, eu não sou a favor de trocar o nome de nascimento desde que estudei e me aprofundei neste assunto, este é somente o meu parecer não precisa ser o seu!!!grata Marcelo por nos colocar estes textos servem como reflexão, como sempre voce é genuino.....JO
ResponderExcluirJo, tudo o que disse é muito verdadeiro. Concordo plenamente!
ResponderExcluirAnônimo, sabe que eu tb chorei quando escrevi?
Fico feliz que gostaram!
bjos
E eu que implicava que meu nome era grande demais pra uma mulher tão "pequena", acabei um dia descobrindo que eu me escondia de mim mesma, e a "pequena Leninha" cresceu. Amo meu nome. Foi escolhido por meu pai que em sua simplicidade disse no cartório "ah, vai com E mesmo!!!" Escolheu Elena inspirado no filme, e me ensinou a trazer a guerreira de volta. Talvez com H eu não seria a Elena - mulher com E maiúsculo que sou hoje.
ResponderExcluirSabe que fiquei toda arrepiada Marcelo!
ResponderExcluirLinda lição de vida!!!
Apenas isso...estou muito emocionada para escrever...
Um beijo agradecido de coração.
Astrid Annabelle
Ah, Marcelo,
ResponderExcluirchorei tb(até parece novidade né)!
Que história linda!
Bjs.
Lindo conto, querido! Adoro estes teus escritos. Delicados, engraçados e profundos.
ResponderExcluirbeijocas
Elena, que belo depoimento!!! Eu também gosto do seu nome sem H, é mais forte e original. É você!!!
ResponderExcluirAstrid, essa história foi intuída... eu tb me emociono muito. Serve pra ilustrar que a verdadeira cura é feita de compreensão, aceitação e perdão.
Fátima, ótimo elogio. Sinal de que gostou!!!
bjos pra vcs!!!
Dani, a história começa engraçada e depois vai ficando trágica né?
ResponderExcluirSua opinião é muito importante.
bjos
Marcelo
ResponderExcluirvês o que quis dizer sobre não teres receio de experimentar nada. Além da lição de vida que escreveste eu vejo uma lição de astrologia, obrigada!
Espero por mais contos assim, astrológicos para perceber ainda mais sobre este tema apaixonante :)
Maravilhoso
Olá, Marcelo!
ResponderExcluirAchei interessante o texto! Causou-me surpresa o seu desenrolar...!
Obrigado pelas indicações! Aquele site parece ser bom mesmo: existem até 'seções' para iniciantes!
O prazer também é meu, seja sempre bem-vindo ao meu blog!
Até mais!
Alexandre: Esta não era a intenção inicial, mas penso que ficou bom assim. Eu é que agradeço por seu elogio!
ResponderExcluirShin: vc acertou na mosca: esta é uma série de contos astrológicos que pretendo desenvolver. Aguardo novas inspirações!!! :)
Lampião: é um prazer poder compartilhar!!!!
grato pelo carinho de todos!!!
Linda história, Marcelo. Tem coisas que a gente demora para ver e reconhecer, principalmente as ligadas aos pais da gente.
ResponderExcluirbeijos
Olá Marcelo:
ResponderExcluirO pior sentimento que uma filha pode nutrir é ter vergonha dos pais,
Vai pesar para sempre não só no seu coração, quando a ficha cair que foi o caso da Florisbela, como também aumentar seu carma. Amor de mãe tudo perdoa, mas mesmo assim o remorso ficará para sempre, e nunca esquecerá de como poderia ter sido mais feliz, e tornado sua mãe também mais feliz, pois quando se dá amor incondicional a felicidade vem farta.
Mas seu texto muito verdadeiro e contundente me emocionou.
Bjs. Léah
Marcelo
ResponderExcluirLi com gosto e arrepio na pele, ainda por cima por usar a astrologia com tanta maestria e simplicidade. A qualidade do conto é excelente e é mais que isso, pois é uma lição e aprendizagem de vida.
Abraço.
Antonio, meu querido!!!
ResponderExcluirAguardava sua opinião, que prezo muito. Vamos ver se me vem mais inspiração para contos desse tipo. Espero que sim!!! :)
abraço
lindissimo texto! acho que todos nos identificamos com alguma coisa nele, e pela mesma razão, todos também tiramos uma lição!
ResponderExcluirConcordo com o que disseram acima "O pior sentimento que uma filha pode nutrir é ter vergonha dos pais (...) Amor de mãe tudo perdoa, mas mesmo assim o remorso ficará para sempre"
Tha, também concordo. Fico muito feliz que tenha gostado!!!!
ResponderExcluirbjos
Adoro seus contos, chorei com esse, lindo!
ResponderExcluirBeijinhos,
Nancy
Impressionante e lindo. Comovente. Belo texto, Marcelo.
ResponderExcluirAntonio: Gratissimo, querido amigo! Quero ter inspiração pra escrever mais textos como este! :)
ResponderExcluirabraço
Nem preciso falar que chorei com a história.
ResponderExcluirExiste uma coisa mágica que acontece quando tiramos a venda da distorção e podemos nos permitir a ver toda a beleza e amor que existe pelos cantos.
A beleza em uma Marealva, a beleza em uma Rosileidi...
Únicas e especiais à sua maneira.
Belíssimo conto, Marcelo! Sempre iluminando corações!
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