A Origem do Voo das Bruxas

Ilustração digital em formato quadrado mostra uma cabana solitária iluminada pela lua cheia nas montanhas. Na janela, vê-se o vulto de uma mulher observando a noite, enquanto uma coruja de asas abertas voa em primeiro plano sob um céu estrelado e cósmico, repleto de galáxias vibrantes.

Ela era uma mulher apaixonada pelo poder das ervas e das plantas — o que hoje muitos chamariam de “bruxa”. Morava numa casinha isolada na montanha, mas não estava só: carregava consigo as memórias e os ensinamentos da avó. Desde criança aprendeu com ela muitos segredos da natureza. Foi a avó que lhe mostrou quais raízes podiam curar febres, quais flores viravam chá para acalmar o coração. “As plantas falam, minha menina”, dizia a velha curandeira. “É só saber escutar.”

Vinha de uma linhagem de mulheres sábias, guardiãs de um saber que passava de boca a ouvido, de gesto a gesto. Para o povo da aldeia era apenas a “mulher das plantas”. Para ela, cada unguento preparado era mais que remédio — era elo com a terra e com as ancestrais que a guiavam.

Nos últimos tempos, porém, algo começava a mudar. Os dias ainda corriam no mesmo ritmo — colher ervas, preparar unguentos, cuidar do corpo e da alma de quem a procurava — mas as noites já eram diferentes. Sonhos estranhos voltavam sempre, carregados de presságios. Ela via corvos rodopiando no escuro, corujas que a observavam com olhos fixos, uma águia que riscava o céu como um raio. E sempre, no meio dessas visões, o mesmo detalhe: um cogumelo vermelho, pulsante, como se respirasse.

Numa dessas manhãs de colheita, à beira da mata, parou diante da cena que a fez estremecer: um cervo mordiscava justamente aqueles cogumelos. Seus olhos se turvaram, o corpo balançava em transe, como se visse algo além do que a realidade permitia.

Foi então que uma memória lhe atravessou a mente. A avó, diante do fogo, certa vez havia sussurrado: “Existe um cogumelo que abre portas para o mundo dos espíritos. Quem o encontra, precisa coragem para atravessar.” Essas palavras ficaram guardadas como lenda, e só agora, adulta, reconhecia o chamado diante de si.

A lembrança da avó ficou martelando na cabeça durante dias, junto com os sonhos recorrentes. Na primeira vez que colheu o cogumelo, hesitou. Não ousou experimentar de imediato. Preparou um chá leve, como fazia com tantas outras plantas. O sabor era amargo, mas suportável. Logo sentiu o corpo aquecer, uma leve vertigem, pensamentos que vinham mais rápidos, quase como sussurros ao redor.

Nos dias seguintes, voltou a provar, em pequenas doses. Descobriu que aliviava dores, acalmava a tensão dos músculos, trazia um tipo de relaxamento profundo. Era útil, mas também perigoso — percebia como a mente ficava mais aberta, como se pudesse atravessar uma fenda invisível a qualquer momento.

Ainda assim, não conseguia ignorar os sinais. A cada sonho, a cada visão de aves cortando o céu, o chamado se tornava mais forte. Sentia que o chá era apenas a superfície. Que o verdadeiro poder do cogumelo estava em outro preparo.

Tomou a decisão numa noite de Lua cheia. Triturou as pequenas cabeças vermelhas, misturou com outras ervas e gorduras que costumava usar em unguentos. Olhou para o cabo da vassoura encostado na parede e, por um instante, lembrou-se das histórias murmuradas pela avó: “É preciso coragem para atravessar.”  O coração bateu mais rápido, mas a intuição era forte. Num impulso, sem muito pensar, lambuzou o cabo da vassoura com a poção mágica.

Em seguida, montou no cabo da vassoura e esfregou a poção em suas partes íntimas. Instintivamente sabia que ali o efeito seria mais rápido e profundo. Em questão de minutos, ela sentiu a força percorrendo o corpo inteiro. Primeiro veio o calor, depois um arrepio que subiu pela espinha como se mil asas invisíveis se abrissem dentro dela.

O chão pareceu se afastar. O teto da cabana se dissolveu. As paredes já não existiam. Seu corpo estava ali, mas sua consciência voava. Sentiu-se leve, como se fosse sugada por um vento secreto. Quando abriu os olhos da alma, não era mais ela: estava dentro de uma coruja. Via com os olhos amarelos do animal, enxergando no escuro cada detalhe da floresta, cada folha vibrando, cada inseto se movendo como se brilhasse.

Voou por sobre as árvores, atravessou vales e rios que cintilavam sob a lua cheia. Sentiu o mundo inteiro pulsando embaixo de si, como se a Terra respirasse junto com suas asas. Pela primeira vez, compreendeu o que significava atravessar para o outro lado: não era só voo, era comunhão.

Depois daquela noite não parou mais. Repetiu a viagem muitas vezes, sempre em segredo. A cada voo, alcançava novos mundos. Primeiro reencontrou a avó, radiante, que a acolheu do outro lado como se nunca tivesse partido. Depois atravessou o céu conhecido, foi além da Lua, além das estrelas familiares, até se perder em regiões onde brilhavam sóis azuis e dançavam civilizações que viviam em paz e sabedoria. 

A cada travessia, voava mais alto. Sentia-se parte de algo imenso, infinita e livre. Sua felicidade era tanta que o peito já não cabia de silêncio. Precisava passar adiante o caminho que descobrira. Foi assim que o segredo também ganhou asas. Espalhou-se de boca em boca, até virar história. Primeiro sussurro, depois rumor... e assim nasceu a lenda: as bruxas voam na vassoura.

Nota do autor: conto baseado em fatos reais.

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